Publicado por dinamicaglobal.wordpress.com em 26 de maio de 2012.
As
políticas de austeridade impostas pelos grandes poderes financeiros por
intermédio dos governos da França e Alemanha e do Banco Central Europeu
são um fracasso rematado: levaram quase toda a Europa a outra recessão,
agravaram o peso da dívida, as assimetrias e a paralisação, estão a
destruir a coesão social da Europa e direitos sociais cuja conquista
custou décadas de conflitos e lutas, destroem milhares de empresas,
criam pobreza e exclusão, produzem um afastamento, quem sabe se
definitivo, entre a população e as autoridades públicas, e estão dando
asas à extrema direita fascista e neonazi que os banqueiros e grandes
industriais sempre açularam em época de crise.
Não há
nenhuma experiência histórica nem evidência empírica que permita afirmar
que se possa sair de uma crise como a que estamos (de racionamento
financeiro e falta de procura efetiva) com menos gasto, de modo que
insistir em reduzi-lo sem ao mesmo tempo tomar medidas que garantam
novamente o financiamento e que proporcionem rendimentos adicionais à
população consumidora é uma via que só leva à depressão e ao desastre.
A cegueira
ideológica das autoridades políticas e dos economistas que assinalam o
caminho impede-lhes de reconhecer esta realidade. E sua submissão aos
poderes financeiros (agora só interessados em aproveitar a crise para
aumentar seus privilégios) leva-os a insistir em novos cortes, que só
servem para que os bancos, especuladores e grandes empresas aumentem
seus lucros e um poder já absoluto que está a liquidar as já em si
débeis democracias a que se permite o capitalismo da nossa época.
Os cortes
em educação, investigação, inovação, em infraestruturas vitais e em
prestações sociais só vão trazer anos de atraso e uma instabilidade
sociais de terríveis antecedentes na Europa.
Tão clara é
a evidência de tudo sito que, desde há semanas, começaram a abrir-se
gretas nos blocos políticos dominantes e a filtrar-se a ideia de que é
imprescindível por fim a esta barbaridade política e econômica. A
pressão de movimentos sociais, de economistas críticos ou inclusive das
personalidades mais sensatas do próprio establishment contribuiu
decisivamente para isso e a vitória do socialista Hollande nas eleições
francesas possivelmente será o que obrigue definitivamente a por em
causa as políticas de austeridade.
Mas a
alternativa que se está a difundir frente a elas é insuficiente e
inadequada: a do crescimento. Uma estratégia que já demonstrou poder ser
muito perversa e pouco útil se não se explicitar claramente o que
implica e aonde queremos que nos conduza.
Crescimento não basta.
Travar os
cortes de despesas públicas e em geral todas as políticas de austeridade
que estão a impedir que se regenere o privado e se recupere o pulso
econômico é uma pré-condição indispensável para que na Europa se volte a
criar emprego e para garantir padrões mínimos de bem-estar e proteção a
toda a população. Mas trata-se só de uma pré-condição para evitar o
desastre. Para conseguir que não se volte a produzir outra crise maior e
com piores perturbações e danos do que aqueles que agora estamos a
sofrer são precisas mais coisas.
Não basta fazer com que cresça o Produto Interno Bruto de qualquer forma nem injetar mais dinheiro ainda de qualquer modo.
Ainda que a
crise se tenha desencadeado, visto à superfície, pela desregulamentação
financeira e pelos roubos continuados que centenas de bancos efetuaram
com a anuência das autoridades, suas causas profundas (aquelas que a
tornaram sistémica) e as que tornarão a provocá-la novamente se não
forem resolvidas, são outras: a grande desigualdade que deriva rendas
incessantes para a especulação financeira, a utilização intensiva e
perdulária de recursos naturais e energia que rompe a harmonia básica e
os equilíbrios imprescindíveis entre a sociedade e a natureza, e uma
degeneração progressiva do trabalho que empobrece a população e o tecido
empresarial e que trava a inovação e o incremento da produtividade.
Sem
enfrentar tudo isso, promover novamente o crescimento do produto interno
“à bruta”, a base de despesa pública e injetando recursos para a
criação de mais infraestruturas e para o fornecimento de mais serviços
públicos, pode travar a deriva para a depressão na qual nos encontramos,
como já ocorreu com os planos de estímulo, mas sem dúvida será
insuficiente e terminaria por provocar problemas ainda mais graves do
que os que temos.
O
crescimento entendido como um objetivo em si mesmo, sem mais
explicitações, medido através de um indicador tão perverso como o PIB e
sem ter em conta os custos sociais, ambientais e antropológicos que traz
consigo, favorecer a acumulação e voltará a dar bons lucros a certos
ramos do capital, além de gerar algo mais de emprego em bem-estar. Mas,
nessas condições, estes últimos não serão os suficientes para alcançar
níveis mínimos de estabilidade e satisfação social, como demonstra a
experiência vivida nos últimos trinta anos, nem com isso se poderá
evitar reincidir no vício mais cedo do que tarde.
O que a
Europa precisa não são planos de crescimento do PIB e sim uma estratégia
global para a igualdade, o bem-estar e a responsabilidade ambiental
baseada na promoção de novos tipos de atividade, de propriedade e de
gestão empresarial, na generalização do emprego decente, na utilização
sustentável das fontes de energia e dos recursos naturais que modifique
radicalmente o atual modelo de metabolismo socioeconômico, e na promoção
de uma cidadania democrática, plural, participativa e cosmopolita. Em
também, passe o paradoxo, baseada na austeridade mas no que esta tem de
respeito para com o equilíbrio natural e pessoal e com a boa utilização
dos recursos, de recusa do desperdício; mas não de renúncia aos direitos
sociais e à igualdade, como entendem os neoliberais.
E além
disso são imprescindíveis reformas políticas institucionais que travem o
poder dos grandes grupos oligárquicos e que permitam que as autoridades
representativas sejam aquelas que realmente adoptem as decisões em
função dos mandatos da maioria social no âmbito de uma autêntica
democracia. Sem criar um autêntico poder público na Europa, sem submeter
a atuação do Banco Central Europeu às exigências dos interesses sociais
e sem acabar com a sua cumplicidade com os interesses bancários
privados, sem sanear o sistema financeiro europeu declarando o
financiamento da vida econômica como um serviço de interesse público
essencial, nacionalizando os bancos que não se submeterem e fomentando
novos tipos de finanças descentralizadas e de proximidade, sem dispor de
um autêntico tesouro europeu e sem recolocar a concepção da união
monetária, para não mencionar senão as questões mais urgentes, a Europa
continuará a balouçar-se irresponsavelmente à beira do precipício e os
apelos ao crescimento só servirão, se me permitem a expressão, pouco
mais do que para embebedar o peru e enganar mais uma vez os povos.
A questão a
colocar sobre a mesa na Europa não é se cortamos um pouco menos as
despesas e injetamos algo mais de recursos para as mesmas atividades e
infraestruturas de sempre (outra vez auto-estradas, habitações, mais
comboios de alta velocidade…) e sim se rompemos ou não com o poder das
finanças privadas e das grandes corporações empresariais e oligárquicas
que nos dominam e que nos levaram à situação em que estamos.
Autor: Juan Torres López
Fonte: JuanTorresLopez.com
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